17 de novembro de 2007

SPC

Serviço de Proteção ao Crédito
ou
Serviço de Punição aos Consumidores

O SPC que nos últimos anos ocupa um lugar privilegiado no comércio tem suas raízes em toda a gama de organizações empresariais que delimitaram suas ações e maximizaram o controle sobre todas suas atividades, inclusive criando esse mecanismo de punição aos que compram e não pagam, ou seja, os inadimplentes.
É necessário que se apresente o perfil dos consumidores em suas características mais intrínsecas, mas também que se analise o perfil das empresas e todos os seus poderes estratégicos de convencimento como o marketing, por exemplo. No entanto, não nos devemos deter a uma análise prática e superficial vislumbrando apenas a transformação do consumidor em inadimplente, mas, sobretudo, apresentando os processos que transformam os indivíduos em consumidores.
Antes de 1930, aproximadamente, as indústrias produziam primeiramente os produtos e posteriormente iam-se buscar os compradores. De meados do século passado para cá, o papel se inverteu. Ou seja, passou-se a fabricar os consumidores e o resto seria conseqüência. Por isso, os investimentos se tornaram mais dispendiosos no processo de formação de uma massa sem precedentes de consumidores. Agora o cliente é o alvo de todas as investidas da publicidade, da propaganda, da mídia, ou seja, do marketing como um todo.
Após ser criada a massa consumidora, os produtos seriam vendáveis e muito bem vendáveis, pois a "metralhadora" publicitária e propagandística se responsabiliza de vendê-los. Ou melhor, já foram criadas todas as preliminares, portanto, os consumidores já estão ávidos, prestes a consumir e consumir muito. Consumir o necessário, mas também o desnecessário. Aí está a "grandeza" do marketing: criar necessidades que não existem. O marketing: invenção americana contaminou todo o mundo. Podemos dizer que o marketing é uma máquina que transforma os indivíduos em consumidores.
Este processo não foi tão simples como a transformação da água em vinho. Nada disso. Foram muitos estudos. Muitas experiências. Envolveu praticamente todos os ramos do saber científico, mas também do senso comum. As empresas criaram, tendo como principal aliado a mídia, um ambiente extremamente favorável para as vendas. Horas a fio de estudos e pesquisas para se conseguir influenciar, estimular, manipular e consagrar o espírito consumista como moda, melhor ainda, como necessidade. Mas uma necessidade muito bem programada pelos cientistas da propaganda. Essa necessidade é ilusória, mas se confunde com as necessidades reais dos indivíduos. A merchandising é capaz de unir uma necessidade básica a uma necessidade capitalista de tal forma que elas se entrelaçam e se misturam e se confluem intrinsecamente tornando-se iguais.
Com o SPC, o processo se inverte. A propaganda sai de cena e entra em campo os textos cansativos das consultorias. Textos austeros e apenas informativos. Cadê a beleza da propaganda que recheou todo o processo de criação de desejos no corpo dos indivíduos. Desejos estéticos, sexuais, gustativos... Os corpos que foram estimulados ao desejo de consumir e que de fato consumiram estão a mercê de serem sujos pelas empresas, mas por via SPC. O SPC foi um mecanismo muito bem esquematizado, pois criado para punir os nomes dos "consumidores fabricados" também condena o corpo às dificuldades de usufruir dos desejos que foram incutidos no rol dos seus desejos básicos.
A punição dos nomes não visa somente punir os nomes, mas principalmente os corpos. É neste que estão os desejos que possibilitaram as investidas do marketing. Assim, o corpo que ao ser encarcerado perde a liberdade de ir e vir, com o SPC perde a liberdade de consumir. Não consumir vai ser tarefa árdua, dificultosa. Vai ser mais difícil do que se acostumar com a idéia de que o "nome" está "sujo". Pois o prazer de consumir é mais forte. Foi progressivamente trabalhado ao longo de décadas e por meio de saberes científicos.
A inserção do nome no SPC é a resposta que os credores dão aos que figuraram em seu principal objetivo: consumir. Em outras palavras, os mesmos que foram o alvo das empresas como sendo os "primordiais" motivos de ser dos empreendimentos, agora são castigados porque consumiram de mais – mas não eram esses os objetivos das empresas? Contradição? Pode ser. Mas as empresas são muito eficientes no momento de punir os que foram por elas mesmas "consumidos". Os indivíduos que foram transformados através dos recursos do marketing, que envolvem desde um anúncio simples até as grandes propagandas de efeito psicológico, consumiram um pouco dos produtos das empresas, mas agora por cinco anos ficarão encarcerados pelas privações de não poder consumir plenamente. Além disso, o jogo vai continuar. As belas propagandas vão tratar de metralhar os indivíduos e deixá-los cheios de desejo de consumir à vontade. Mas agora não vão poder, pois o nome estará privado e proibirá os desejos do corpo – os desejos que foram muito bem traçados pelos mecanismos de produção de consumidores.
Escrito por Clecio Dias, estudante de direito

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